sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Os brinquedos têm sexo?

Para além do azul e do cor-de-rosa, dos carrinhos e das bonecas.

Assim que uma mulher sabe que está grávida e o anuncia, a primeira questão que usualmente se lhe coloca remete para o sexo da criança. A partir do conhecimento do sexo da criança, prepara-se a sua receção através da aquisição de roupas e brinquedos e da decoração dos espaços, frequentemente com cores pré-definidas (e.g. azul para os meninos e rosa para as meninas) e formulam-se uma série de expectativas relacionadas com as suas características e o seu percurso. As práticas de educação das gerações mais jovens têm, com frequência, na base estereótipos acerca dos papéis de género. A título de exemplo, foi solicitado a mães de bebés pequenas/os que participassem numa experiência sobre as brincadeiras das crianças: as mães conheciam uma criança de 6 meses, o “João” ou a “Joana”, sendo-lhes solicitado que brincassem com ela durante alguns minutos. A criança era vestida como menina ou como menino, independentemente do seu verdadeiro sexo. Os resultados evidenciaram que o comportamento das mães estava relacionado com o sexo atribuído à criança, oferecendo brinquedos típicos de género com base nessa apreciação (uma boneca à menina e uma matraca ao menino) e interagindo de forma diferente, mais ativamente e com mais estímulos motores com o rapaz, e com menos vigor com a rapariga.
Na época natalícia as referências às prendas, sobretudo na forma de brinquedos, são praticamente omnipresentes – na televisão, nas revistas, nas lojas, nas conversas familiares e nos olhos das crianças que brilham quando mencionam os tão almejados companheiros de futuras brincadeiras.
É indiscutível a importância que têm os brinquedos no desenvolvimento das crianças: é através da brincadeira e dos brinquedos que se processam aprendizagens essenciais e se desenvolve uma série de competências fundamentais. Os brinquedos, contudo, não são neutros: acredita-se que os brinquedos usualmente oferecidos às meninas (conjuntos de panelas/tachos, bonecas e bonecos e kits de maquilhagem, entre outros) promovem nelas menor criatividade por terem uma finalidade pré-definida, o mesmo não se passando com os brinquedos normalmente oferecidos aos rapazes (construções bolas, legos, pistas de carros, etc), que facilmente estimulam a criatividade e maior ocupação do espaço circundante, justamente por não terem uma finalidade prevista. Verifica-se, assim, a existência de desigualdade na estimulação cognitiva decorrente da oferta diferenciada de brinquedos com base no género da criança, que poderá traduzir-se mais tarde em questões como a capacidade de resolução de problemas ou a autoconfiança para enfrentar desafios ou explorar o espaço com autonomia, por exemplo.
A verdade é que mesmo quando as crianças expressam esse desejo, dificilmente as pessoas adultas, designadamente a mãe e o pai, oferecem brinquedos atípicos (e.g. bonecas aos meninos e pistas de carros às meninas). Contudo, quando acontece uma criança não corresponder, no que respeita o seu comportamento e/ou as suas preferências lúdicas, ao estereótipo de género no qual se enquadra, estes desvios são mais facilmente aceites quando protagonizados pelas meninas; os meninos, por outro lado, são fortemente marginalizados, dado que o desejo de manipular brinquedos e/ou empreender em brincadeiras típicas de meninas não se enquadra na imagem estereotipada de masculinidade, sendo frequentemente associado este desejo a manifestações de homossexualidade.
A forma como os brinquedos são apresentados afeta os hábitos de consumo, havendo pessoas que sentem desconforto ao adquirir para um rapaz um brinquedo cor-de-rosa tipicamente atribuído às meninas, por exemplo. Por outro lado, há pessoas que podem nem aperceber-se de que as suas escolhas são restritas, limitadas, não notando que não existem kits de ciência ou blocos de construção na “secção das meninas” nas lojas ou no próprio catálogo de brinquedos. E se a criança nunca tiver a oportunidade de experimentar brinquedos diferentes, não terá a noção de quais são verdadeiramente as suas preferências e não poderá explorar outras possibilidades.
A separação de brinquedos de acordo com o sexo da criança tem vindo a adquirir cada vez maior expressividade: há 50 anos atrás, no catálogo da rede americana de lojas Sears apenas 2% dos brinquedos eram publicitados com base nesse critério, atualmente a maior parte dos catálogos apresenta os brinquedos separados por sexo, com indicação “para menina/para menino”, recorrendo a imagens estereotipadas, como se pode verificar nas imagens seguintes (retiradas de catálogos de brinquedos de 2015):



Verifica-se, contudo, algum progresso que demonstra que as marcas estão a reagir a estas questões: a Disney retirou a etiqueta “girls” (meninas) e “boys” (meninos) dos fatos de Halloween e a empresa espanhola Toy Planet aposta, pelo segundo ano consecutivo, num catálogo de brinquedos que rompe com o sexismo, apresentando meninos e meninas a brincar com diferentes brinquedos sem qualquer separação com base no sexo das crianças.


Vale a pena pensar nisto, ao responder aos pedidos natalícios das crianças… os brinquedos servem para brincar, explorar e conhecer o mundo. É simples assim.




Fontes consultadas:
Amâncio, L. (1993). Género - Representações e identidades. Sociologia - Problemas E Práticas, (23), 127–140.
CIG (Ed.), (2009). Guião de educação Género e Cidadania. 3º Ciclo. Lisboa: CIG.
Vieira, C. (2006). É menino ou menina? Género e educação em contexto familiar. Coimbra: Almedina.
Vieira, C. (2008). Estereótipos de género. In N. Rubim, A. C. & Ramos (Ed.), Estudos da cultura no Brasil e em Portugal. Bahia: EDUFBA.
Vieira, C. (2013b). Educação familiar. Estratégias para a promoção da igualdade de género (3a Edição., p. 115). Lisboa: CIG.

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