Para além do azul e do cor-de-rosa, dos carrinhos e das bonecas.
Assim que uma mulher sabe que
está grávida e o anuncia, a primeira questão que usualmente se lhe coloca
remete para o sexo da criança. A partir do conhecimento do sexo da criança,
prepara-se a sua receção através da aquisição de roupas e brinquedos e da
decoração dos espaços, frequentemente com cores pré-definidas (e.g. azul para
os meninos e rosa para as meninas) e formulam-se uma série de expectativas
relacionadas com as suas características e o seu percurso. As práticas de
educação das gerações mais jovens têm, com frequência, na base estereótipos
acerca dos papéis de género. A título de exemplo, foi solicitado a mães de
bebés pequenas/os que participassem numa experiência sobre as brincadeiras das
crianças: as mães conheciam uma criança de 6 meses, o “João” ou a “Joana”,
sendo-lhes solicitado que brincassem com ela durante alguns minutos. A criança
era vestida como menina ou como menino, independentemente do seu verdadeiro
sexo. Os resultados evidenciaram que o comportamento das mães estava
relacionado com o sexo atribuído à criança, oferecendo brinquedos típicos de
género com base nessa apreciação (uma boneca à menina e uma matraca ao menino)
e interagindo de forma diferente, mais ativamente e com mais estímulos motores
com o rapaz, e com menos vigor com a rapariga.
Na época natalícia as
referências às prendas, sobretudo na forma de brinquedos, são praticamente
omnipresentes – na televisão, nas revistas, nas lojas, nas conversas familiares
e nos olhos das crianças que brilham quando mencionam os tão almejados
companheiros de futuras brincadeiras.
É indiscutível a importância
que têm os brinquedos no desenvolvimento das crianças: é através da brincadeira
e dos brinquedos que se processam aprendizagens essenciais e se desenvolve uma
série de competências fundamentais. Os brinquedos, contudo, não são neutros: acredita-se
que os brinquedos usualmente oferecidos às meninas (conjuntos de
panelas/tachos, bonecas e bonecos e kits de maquilhagem, entre outros) promovem
nelas menor criatividade por terem uma finalidade pré-definida, o mesmo não se
passando com os brinquedos normalmente oferecidos aos rapazes (construções
bolas, legos, pistas de carros, etc), que facilmente estimulam a criatividade e
maior ocupação do espaço circundante, justamente por não terem uma finalidade
prevista. Verifica-se, assim, a existência de desigualdade na estimulação
cognitiva decorrente da oferta diferenciada de brinquedos com base no género da
criança, que poderá traduzir-se mais tarde em questões como a capacidade de
resolução de problemas ou a autoconfiança para enfrentar desafios ou explorar o
espaço com autonomia, por exemplo.
A verdade é que mesmo quando
as crianças expressam esse desejo, dificilmente as pessoas adultas,
designadamente a mãe e o pai, oferecem brinquedos atípicos (e.g. bonecas aos
meninos e pistas de carros às meninas). Contudo, quando acontece uma criança
não corresponder, no que respeita o seu comportamento e/ou as suas preferências
lúdicas, ao estereótipo de género no qual se enquadra, estes desvios são mais
facilmente aceites quando protagonizados pelas meninas; os meninos, por outro
lado, são fortemente marginalizados, dado que o desejo de manipular brinquedos
e/ou empreender em brincadeiras típicas de meninas não se enquadra na imagem
estereotipada de masculinidade, sendo frequentemente associado este desejo a
manifestações de homossexualidade.
A forma como os brinquedos
são apresentados afeta os hábitos de consumo, havendo pessoas que sentem
desconforto ao adquirir para um rapaz um brinquedo cor-de-rosa tipicamente
atribuído às meninas, por exemplo. Por outro lado, há pessoas que podem nem
aperceber-se de que as suas escolhas são restritas, limitadas, não notando que
não existem kits de ciência ou blocos de construção na “secção das meninas” nas
lojas ou no próprio catálogo de brinquedos. E se a criança nunca tiver a
oportunidade de experimentar brinquedos diferentes, não terá a noção de quais
são verdadeiramente as suas preferências e não poderá explorar outras
possibilidades.
A separação de brinquedos de
acordo com o sexo da criança tem vindo a adquirir cada vez maior
expressividade: há 50 anos atrás, no catálogo da rede americana de lojas Sears
apenas 2% dos brinquedos eram publicitados com base nesse critério, atualmente
a maior parte dos catálogos apresenta os brinquedos separados por sexo, com
indicação “para menina/para menino”, recorrendo a imagens estereotipadas, como
se pode verificar nas imagens seguintes (retiradas de catálogos de brinquedos
de 2015):
Verifica-se, contudo, algum
progresso que demonstra que as marcas estão a reagir a estas questões: a Disney
retirou a etiqueta “girls” (meninas) e “boys” (meninos) dos fatos de Halloween
e a empresa espanhola Toy Planet aposta, pelo segundo ano consecutivo, num
catálogo de brinquedos que rompe com o sexismo, apresentando meninos e meninas
a brincar com diferentes brinquedos sem qualquer separação com base no sexo das
crianças.
Vale a pena pensar nisto, ao
responder aos pedidos natalícios das crianças… os brinquedos servem para
brincar, explorar e conhecer o mundo. É simples assim.
Fontes consultadas:
Amâncio, L. (1993). Género - Representações e identidades. Sociologia - Problemas E Práticas, (23),
127–140.
CIG (Ed.), (2009). Guião de educação
Género e Cidadania. 3º Ciclo. Lisboa: CIG.
Vieira, C. (2006). É menino ou
menina? Género e educação em contexto familiar. Coimbra: Almedina.
Vieira, C. (2008). Estereótipos de género. In N. Rubim, A. C. & Ramos
(Ed.), Estudos da cultura no Brasil e em
Portugal. Bahia: EDUFBA.
Vieira, C. (2013b). Educação
familiar. Estratégias para a promoção da igualdade de género (3a Edição.,
p. 115). Lisboa: CIG.
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