Em abril deste ano
falou-se em linguagem sexista devido à iniciativa do Bloco de Esquerda, que pretendia
que a designação do Cartão de Cidadão passasse a ser Cartão de Cidadania. De
acordo com o Bloco de Esquerda, esta iniciativa, que de imediato inspirou a
controvérsia, não visava nenhuma alteração à língua portuguesa, mas, sim, “uma
prática linguística não discriminatória e democrática, adotando recursos linguísticos já existentes para assegurar a visibilidade e a simetria das
representações dos dois sexos” (Esquerda.Net).
A iniciativa
acabou por ser chumbada pelo PCP, por ser considerada uma questão não
prioritária.
Na verdade, muito
se falou e escreveu a respeito, mas talvez o tema tenha sido polemizado e
ridicularizado, sobretudo nas redes sociais, não permitindo a criação de um
espaço para a prestação de esclarecimentos e para o debate. Importa saber,
então, afinal o que é a linguagem
inclusiva?
O estudo da linguagem pode facilitar a
compreensão da estratificação social – das semelhanças, diferenças e relações
entre desigualdades com base no sexo, na classe social, na idade, na etnia,
especialmente relativamente à forma como estas desigualdades são expressas,
mantidas e desafiadas através dos padrões quotidianos de conversação, de
gestos, de toque, de movimento e de utilização do espaço (Kramer, Thorne &
Henley, 1978).
A maioria dos/as investigadores/as que se
dedica ao aprofundamento deste tema concorda que a linguagem sexista tem um
impacto negativo, contudo, os argumentos diferem na tentativa de explicá-lo.
Assim, por um lado, continua a autora, há quem defenda que a linguagem sexista
é um sintoma da opressão feminina e pode, portanto, ser alterada e, por outro
lado, há quem acredite que na base da opressão feminina se encontra a linguagem
que trivializa, insulta e exclui as mulheres, sendo por seu intermédio que as
mulheres conhecem o seu lugar no mundo (Cameron, 1985).
Existe atualmente literatura diversa que
documenta a forma como a linguagem define, desvaloriza e ignora as mulheres: as
mulheres são normalmente referidas no que concerne o seu relacionamento relativamente
a um homem (e.g. “menina” ou “a mulher do Rafael”) e os homens, por sua vez, apresentam
um estatuto mais diversificado e dotado de autonomia; a linguagem tende a
elevar os homens e a desvalorizar as mulheres, o que se consubstancia, por
exemplo, nos significados diferentes atribuídos a termos semelhantes, como é o
caso, por exemplo, de “solteirão” e “solteirona”, em que o termo para designar
a mulher, “solteirona”, assume um significado claramente mais negativo quando comparado
ao atribuído ao homem.
A linguagem sexista ou não inclusiva diz
respeito à utilização de termos que excluem ou discriminam as mulheres, o que
engloba questões como o pressuposto de que o masculino constitui a norma e o
feminino a exceção, a formulação de designações de funções profissionais no
masculino (em inglês, isto acontece com frequência através da incorporação do
sufixo “man” a uma palavra – por exemplo, “chairman”, que significa
“presidente” ou “businessman”, que significa “empresário”) (Doyle, 1998).
O uso exclusivo do masculino para significar
homens e mulheres é comum num grande número de línguas, designadamente em
Português. De acordo com Graça Abranches (2009), o género feminino é abrangido
pelo masculino, o que se torna evidente no recurso ao conceito de “Homem” ou de
“homens” para significar “humanidade”. A consulta do Dicionário Online da Porto
Editora, Infopédia (2016), permite perceber que, embora a “homem” e “mulher”
sejam atribuídos o significado de “ser humano”, apenas “homem” é sinónimo de
“espécie humana”: é evidente, pois, a assimetria, o masculino como geral,
remetendo para toda a humanidade, e o feminino como específico, designando as
mulheres. O homem torna-se, então, “a medida do humano, a norma ou o ponto de
referência” (p. 12). A utilização do
masculino como genérico remete as mulheres para a invisibilidade (Kramer,
Thorne & Henley, 1978; Toledo, Rocha, Dermmam, Damin & Pacheco, 2014).
A linguagem inclusiva ou não discriminatória é,
então, aquela que não exclui homens nem mulheres e envolve a reformulação de
termos e expressões para que sejam efetivamente dotados de neutralidade. Isto
implica, por exemplo, a substituição de palavras - o termo “humanidade”
substitui “Homem” (Cameron, 1985), a especificação do sexo através da
utilização de formas duplas ou do emprego de barras ou a neutralização ou
abstração da referência sexual através da substituição por genéricos verdadeiros
ou por pronomes invariáveis (Abranches, 2009).
Graça Abranches (2009) defende o recurso a
“formas não discriminatórias que respeitem o direito de homens e mulheres à
representação linguística da sua identidade e impliquem o reconhecimento de que
nenhum dos dois sexos tem o exclusivo de representação geral da humanidade” (p.
14).
Ciente da importância desta questão, a
Multiaveiro integrou, desde 2009, em toda a sua comunicação interna e externa,
a linguagem inclusiva e não discriminatória, desenvolvendo, atualmente, todos
os recursos didáticos com base em linguagem inclusiva e em imagens não
estereotipadas e divulgando, sempre que possível, informação acerca da
temática, porque acreditamos na representação linguística da identidade e
devemos ser, como diria Gandhi, a mudança que queremos ver no mundo.
Fontes consultadas:
Abranches, G. (2009). Guia
para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração
Pública. Lisboa: Comissão para a Cidadania e
Igualdade de Género.
Cameron, D. (2006). On language and sexual politics. New York: Routeledge.
Doyle, M.
(1998).Introduction to the A-Z of non-sexist language. In Deborah Cameron, The
feminist critique of language. London: Routeledge.
Esquerda.Net, Sim ao Cartão de Cidadania (Ana Cansado). Disponível em http://www.esquerda.net/opiniao/sim-ao-cartao-de-cidadania/42754, consultado em 29/07/2016.
Infopedia, Dicionário da Língua Portuguesa
Online (2016). Porto: Porto Editora. Disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/homem.
Consultado a 29/07/2016.
Infopedia, Dicionário da Língua Portuguesa
Online (2016). Porto: Porto Editora. Disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/mulher.
Consultado a 29/07/2016.
Kramer,
C., Thorne, B. & Henley.N. (1978).Perspectives on language and
communication. Signs, V. 3, N. 3, pp. 638-651.
Toledo, L. C., Rocha, M. A. K., Dermmam, M. R., Damin, R. A. & Pacheco, M. (2014).Manual para o uso não sexista da linguagem. Rio Grande do Sul: Secretaria de Comunicação e inclusão digital.
Toledo, L. C., Rocha, M. A. K., Dermmam, M. R., Damin, R. A. & Pacheco, M. (2014).Manual para o uso não sexista da linguagem. Rio Grande do Sul: Secretaria de Comunicação e inclusão digital.
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